Essa
rubrica é composta de entrevistas de Ar.
Não
se trata, de modo algum, de um orgulho de uma realização qualquer, mas
pareceu-nos interessante partilhar um testemunho que permita colocar uma
ilustração das transformações em curso.
"Liberação
e consciência" foi realizado em 5 de fevereiro de 2013.
Ele
destaca, notadamente, dois aspectos do absoluto:
-
A simplicidade
- O jogo da consciência
"Caos,
Graça e retorno do Rei" foi realizado em 20 de agosto de 2013.
Ele
se apoia, notadamente, em questões que foram colocadas por e-mail nesse site.
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5-2-2013
LIBERAÇÃO
E CONSCIÊNCIA
Como você sabe que
está liberado?
Pelo
próprio fato de não mais encontrar ninguém no que me parecia «ser», ver que não
há qualquer entidade, Ar ou outra, em lugar algum desse corpo, dos pensamentos
ou das emoções que o atravessariam, estar na incapacidade de encontrar essa
entidade.
Há,
então, liberação do fato de crer na existência de uma pessoa que eu seria – que
jamais existiu – mas que guiou esse corpo e esse mental durante anos, como uma
história coerente, baseada em uma mentira que era, de fato, a mentira da
existência de alguém no interior desse corpo.
Como você sabe que
está liberado, agora?
Primeiro,
é uma questão que não aparece, que eu não me coloco.
Portanto,
finalmente, antes desse estado de Liberação, a questão que existia era: «Como
encontrar a Liberação?» e, de repente, não há mais questão alguma.
Portanto, a ausência
de questão é um dos sinais pelo qual você sabe que está liberado?
A
questão será: «Quem é o «eu» que está liberado?».
E
o desaparecimento do «eu», em todas as suas formas, faz com que não haja
ninguém mais a liberar e que faz a liberação não é: «Será que esse «eu» está
liberado?».
É,
simplesmente, que há Liberação do «eu».
O
«eu» desaparece e cessa, e o aprisionamento pelo «eu» cessa.
Não
é mais algo desse gênero que acontece, o que quer dizer que não é a pessoa que
é liberada.
Sim, um de seus
famosos predecessores disse: «Não é a pessoa que é liberada, é da pessoa que se
é liberado»...
Perfeitamente.
Portanto, mesmo na
formulação de minha questão «Como você sabe que «você» está liberado?», não há qualquer «você» que possa ser liberado, uma vez
que a Liberação não acontece, jamais, à « pessoa»...
É porque é muito
difícil interrogar um liberado vivo em sua vida, na vida de quem não é mais!
Exatamente!
De que se é, então,
liberado?
Da
ilusão de ser uma pessoa, da ilusão de ser uma alma, da ilusão de ser uma
consciência.
É,
antes de tudo, o reconhecimento da consciência pelo que ela é, que nos libera
da própria consciência.
É
a consciência que nos «cola» à pessoa.
E
é o fato de estar identificado – uma vez que é o próprio mecanismo da
consciência esse experimento – o próprio objeto da consciência esse
experimento, assim como é o objeto do mental fazer reflexões, separações.
Quando
a consciência é reconhecida pelo que ela é, então, não há mais identificação à
consciência, assim como era possível, antes de viver essa «Liberação» da
consciência, ter uma forma de despertar ao Si, ao «Eu Sou», ou seja,
colocar-se, transferir o foco da consciência da pessoa para o Ser, o que leva a
um distanciamento.
Mas
é, efetivamente, a um dado momento, reconhecer o que é a consciência que faz a
diferença.
Ramesh Balsekar, outro
liberado vivo, diz que tudo o que é, é Consciência.
Mas ele faz uma
distinção entre a consciência não manifestada e a consciência manifestada.
Quando você fala do «reconhecimento
da consciência pelo que ela é», de qual consciência você fala?
Eu
falava da consciência manifestada.
Quando
se reconhece o processo de manifestação da consciência, o aprisionamento na
projeção da consciência e o fato de que ela vem prender-se a tal ou tal objeto
– que pode ser esse corpo, que pode ser o Ser, que pode ser uma árvore ou outro
ser com quem se pode ter a impressão de estar em fusão – tudo isso são
processos de consciência manifestada.
A
um dado momento, o próprio processo da manifestação da consciência – seu
funcionamento – é reconhecido e, de repente, torna-se possível colocar-se na
consciência não manifestada, o que outros chamam o Absoluto.
Naquele
momento, não há mais esse processo que eu chamo o processo de «cola», da
consciência que vai «colar-se», sistematicamente.
Enquanto
a consciência «cola-se» a algo, é-se dependente da consciência, quer esse algo
seja o Ser – o Si – ou a pessoa, continua-se prisioneiro dessa «cola».
Você faz uma
distinção entre o mental e a consciência manifestada?
Somos,
frequentemente, convidados, em alguns ensinamentos, a observar o mecanismo do
mental, para poder, justamente, dele desidentificar-se e tornar-se, de algum
modo, o observador...
Trata-se
de duas coisas completamente diferentes.
O
mental é um mecanismo ligado a esse corpo, ele faz parte das ferramentas desse
corpo, com um funcionamento mecânico.
Observar
o mental pode, efetivamente, permitir colocar-se no Ser e observar e tomar uma
distância com o que faz a pessoa, ou seja, com o mental, as emoções, o próprio
corpo.
A
consciência é, muito frequentemente, citada em montes de ensinamentos, em
muitos níveis: tomada de consciência, expansão de consciência etc.
Ora,
eu jamais compreendi essa palavra, antes de «ver» a consciência, no entanto,
penso ter utilizado essa palavra frequentemente!
É
muito difícil colocar palavras no que é a consciência, mas o mecanismo do que
eu pude perceber é que o fato de levar a mudar a consciência de apoio permite –
ou não – reconhecer a consciência.
Se
a consciência está «colada» no corpo, então, há identificação completa à
pessoa.
Se
a consciência vem «colar-se» no Ser, há desidentificação da pessoa, mas
identificação a um «Eu Sou» muito mais amplo.
Se
a consciência «cola» em uma árvore e entra-se em fusão com a árvore, haverá
essa impressão de comunhão.
E
todas essas mudanças permitem, a um dado momento – que não será, jamais,
decidido nem pela consciência nem pela pessoa –, reconhecer a consciência.
Não
se trata de um caminho lógico porque, se se seguisse uma lógica, estar-se-ia,
então, em um caminho mental, o que quereria dizer que a consciência estaria «colada»
ao mental.
E
não é colando a consciência por um caminho lógico que se descola a consciência.
Portanto,
é aceitar todas as turbulências sem, forçosamente, procurar a razão, sem,
forçosamente, prender-se a uma forma de lógica.
É
aceitando estar no meio de uma tempestade, deixando ser as coisas, que, a certo
momento, sem que haja qualquer vontade de reconhecimento da consciência, que a
consciência é reconhecida.
É
possível, por toda uma série de práticas que são inumeráveis, passar da pessoa
ao Ser e, daí, reconhecer que o Ser faz parte, ele próprio, da ilusão, mas sem
procurar encontrar o que haveria por trás.
Depois,
isso não depende mais, de modo algum, nem do Ser nem da pessoa: isso vem ao
nosso encontro.
E
é a própria essência do que nós somos.
E,
enquanto se procura isso, não se pode encontrá-lo.
É
como se vocês procurassem, sempre, seu coração ao seu redor: vocês não o verão,
jamais!
A
um dado momento, o que está no interior não será, jamais, percebido pelas
ferramentas que vão ver no exterior.
Isso me faz pensar em
uma mosca sobre uma vidraça.
Se se focaliza na
mosca, não se vê a paisagem que está em segundo plano, e, se se olha a
paisagem, não se vê mais a mosca na vidraça.
Quando
se olha a mosca, poder-se-ia dizer que é como estar na pessoa: a consciência
olha a pessoa, o «eu».
Quando
se olha a paisagem, não se vê mais o «eu» e é-se o Ser, o «Eu Sou».
Quando
se reconhece o princípio de foco na mosca ou na paisagem, é possível não ter
foco nem sobre a mosca nem sobre a paisagem, ser os dois ao mesmo tempo e nem
um nem o outro.
Sim, é o
desaparecimento da focalização, é por isso que é tão irrepresentável para
aquele que ainda não o vive.
Porque
as únicas ferramentas – para aquele que ainda não o vive – para tentar
apreendê-lo, serão o Ser ou o mental, portanto, duas ferramentas que são focos,
que são dois modos nos quais a consciência «cola».
Você disse, há pouco,
que o fato de reconhecer o funcionamento da consciência não garante o acesso à
Liberação.
Você não falou disso
como um pré-requisito, mas, para você, aconteceu assim, por essa etapa.
É sua experiência...
Eu
tomo o cuidado de apresentar minha experiência como um caminho universal.
O
reconhecimento da consciência: «Ah OK, isso «cola»... «Estou colando ali, e
colando lá... » e, a um dado momento, em um tempo muito curto, em alguns
segundos: «Mas, será que não posso colar-me?».
Ops,
e aí aparece – essa não é a palavra – encontra-se no que você chamava a
consciência não manifestada ou o Absoluto, pelo simples fato de dizer: «Bem,
OK, se eu não a colo, o que acontece?».
Em
todo caso, é o que aconteceu para mim.
Isso
foi seguido de uma compreensão de muitas coisas que eu havia podido ler e,
depois, sobretudo, dessa constatação de que é muito simples, muito simples!
Por
que jamais foi dito que é tão simples?
Por
que você fez a busca de que nós somos, por essência, algo de tão difícil?
E,
em um segundo tempo, eu me disse: «Quantas vezes eu ouvi que era simples!».
Mas,
de fato, mesmo quando eu ouvia que era simples ou que eu lia que era simples,
mesmo a palavra «simples» era mais complicada do que a simplicidade que emerge.
E
havia, portanto, essa alegria, essa gratidão, essa diversão: «Mas é tão
simples, leve, natural, sem esforço! Tudo isso para isso?!»
...
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LIBERAÇÃO
E CONSCIÊNCIA – Página 2
O que é perturbador
para aqueles que não voltaram, ainda, à «verdadeira» Vida, é que isso não se
manifesta aos olhos dos não liberados por sinais exteriores observáveis.
É no fundamento do
único testemunho dos liberados vivos que se sabe que eles o são.
Porque não se vê
qualquer manifestação exterior disso: é perfeitamente não espetacular!
Então, esse
testemunho passa, forçosamente, por uma espécie de autoproclamação, porque
ninguém pode testemunhar pelo outro o fato que ele é liberado...
«Ninguém»
pode testemunhar, uma vez que não há mais ninguém para testemunhar, nem no
exterior, nem no interior!
O
liberado não se importa de ser reconhecido como liberado.
Nenhum
liberado irá proclamar o fato de que ele é liberado.
No entanto, é,
efetivamente, o que parece acontecer..., ou seja, que os liberados testemunham
o que é a Liberação que eles vivem.
Há
uma diferença entre testemunhar e proclamar.
Quer
dizer que o testemunho são palavras enviadas nessa ilusão – acompanhadas de
vibrações que vão junto – mas digamos que é uma energia e palavras enviadas
nessa ilusão, sem qualquer intenção específica.
Não
há qualquer intenção de mudar o que quer que seja, nem ao nível da humanidade,
da Terra, do Universo ou da pessoa, em nenhum nível.
Portanto,
o testemunho emerge.
A
proclamação seria um processo para levar a um reconhecimento.
Para
que serve evocar a Liberação como um programa automático?
Quando
há reconhecimento de que não há ninguém, em qualquer nível que seja, não pode
ali haver, tampouco, a crença de que há pessoas a ajudar, ou um reconhecimento
para receber pessoas no exterior desse corpo.
Eu
penso que nenhum liberado jamais procurou fazê-lo conhecer...
Dizem-nos
que nós somos personalidades, que temos personalidades.
Na
língua dos pássaros, há pessoas, com seu corpo, seu mental e, quando a
consciência vem colar-se em cima, torna-se uma pessoa acamada, uma pessoa
doente!
E
a ambiguidade da palavra «personne», no francês, que nos diz que há alguém e
que não há ninguém, ao mesmo tempo.
Essa
ambiguidade está aí, permanentemente, sem que isso incomode quem quer que seja!
Sobre o testemunho, Tony
Parsons diz que não pode testemunhar, ele é uma testemunha apaixonada, sem a
mínima intenção de mudar ou de melhorar o que quer que seja, porque ele nada é
que já não seja Isso...
Eu
tenho muito prazer em falar disso, trocar sobre isso.
Mas
há, também, um reconhecimento do medo ou de resistências do que isso possa
gerar, junto a outras pessoas – não há ninguém, mas há, de qualquer forma, um
medo, que não existe, mas que está aí, de qualquer forma! – e, de repente, é
nisso que há uma alegria a testemunhar, mas não há, tampouco, uma absoluta
necessidade de fazê-lo, no que me concerne.
É
uma pequena indulgência!
E
poderia ser completamente considerável não falar disso a ninguém.
Nada
há a mudar na peça de teatro.
Se
o conjunto de consciências presentes nessa peça de teatro quer continuar a crer
na peça de teatro, por que impedir?
Será que tudo está
perfeito?
Nada
pode estar nem perfeito nem imperfeito.
A
consciência experimenta o que ela pode experimentar.
Por
exemplo, o Sol irradia seu calor, sua luz, e recebe-se isso sobre a Terra, e
isso nos parece perfeito, porque se pode dizer que faz um pouco de calor, que
isso faz luz.
Em
contrapartida, se se coloca o pé sobre o Sol, isso nos parecerá menos perfeito,
mas será, sempre, uma visão truncada, de separação, da experiência.
Cada
coisa se faz.
Dizer que tudo está
perfeito seria um modo de qualificar a Criação ou de qualificar a experiência.
Acontece o que
acontece, que não é nem perfeito nem imperfeito.
É a vida que flui...
Sim,
é isso, a consciência vive essa experiência.
Ela
pode pôr-se na resistência com essa experiência, ou ela pode pôr-se em fusão
com essa experiência: isso dará uma impressão, uma coloração completamente
diferente da experiência, mas tanto uma como a outra, isso não tem qualquer
importância.
Não há uma terceira
postura que seria aquela da observação, pôr-se à distância, no testemunho?
Será
que a observação não é um foco da consciência, do ponto de vista do Ser?
E
essa própria tomada de distância é uma maneira diferente de viver a
experiência.
Finalmente,
pouco importa que a experiência seja vivida de maneira dramática, de maneira
eufórica, ou sendo observador, é apenas uma experiência, que passa, que não tem
qualquer incidência na essência.
E então, de seu ponto
de vista, uma «experiência» é vivida, ainda, como tal?
Há,
sempre, uma consciência, há, sempre, um corpo, há, sempre, um mental que
permite comunicar-se, portanto, as ferramentas da experiência continuam aí.
O que mudou, em sua
percepção do mundo? Há um antes e depois?
Sim,
há um antes e depois, no sentido de que não há mais ninguém para crer na
história.
Portanto,
não há mais drama, não há mais euforia e, contudo, há consideração do drama do
outro, porque há respeito da história de cada um, mesmo se essa história seja
completamente ilusória.
Por
exemplo, é um elemento importante na vida quotidiana, há o desenrolar de uma
vida familiar que poderia parecer clássica, que é completamente clássica, com o
respeito dos melodramas de cada um.
Isso
não vem mais criar melodrama nessa pessoa.
A
percepção desse mundo é, forçosamente, modificada pelo próprio fato do
desvendamento da ilusão desse mundo.
É
como quando se vai ao cinema, está-se na história, é-se tomado na história,
fica-se mantido na história, mas se, a um dado momento, nosso vizinho
acotovela-nos, sai-se da história, dá-se conta de que não se está na história
e, de repente, o drama que acontece na tela não existe mais ou, em todo caso, a
intensidade da tela desaparece.
Aí,
é a mesma coisa: o filme continua a projetar-se, há, ainda, um corpo, um
funcionamento que se projeta, ele mesmo, nesse filme e nessa história, mas ele
não faz mais parte da história.
Você disse: não há
mais drama, não há mais euforia... não há mais espera, tampouco, mais
expectativa?
A espera tem, ainda,
um sentido?
Mas
a espera de quê?
Muitas pessoas vivem
de esperança, sobrevivem de esperança, a esperança de que «isso vai arranjar-se»!
E,
quando nada mais há a arranjar, há apenas o que alguns poderiam chamar uma
alegria profunda, uma quietude profunda.
O
que é específico é que se vive, ao máximo, um período de mudanças importantes,
que fazem com que, nas vivências que eu posso testemunhar, experimentei, por
vezes, uma espécie de «mordida de alegria», ou seja, uma alegria muito forte,
premente, que é dolorosa, e que, mesmo essa dor, é prazer.
Então,
eu não sei a que ela é devida, mas está aí...
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LIBERAÇÃO
E CONSCIÊNCIA – Página 3
O que é do tempo e do
espaço?
Aí
está um ponto que permite, efetivamente, desestabilizar o mental: ir ao fim do
tempo e do espaço, porque é, de qualquer forma, a observação desses dois pontos
que permitiu, na história que eu testemunho, atingir a Liberação.
É
observar que o tempo e o espaço não existiam e, sobretudo, observar os dois
elementos separadamente, observar a noção do tempo, dizendo-se: «OK, se o espaço
não existe, mas o tempo existe, o que é que isso implica, o que é que isso
significa?».
Portanto,
se o espaço não existe e o tempo existe, isso significa que estou por toda a
parte, simultaneamente, e que eu sou tudo, ao mesmo tempo.
Portanto,
o tempo não é um elemento de separação, o que significa que a separação viria
do espaço.
Mas
se se observa o espaço sozinho, se o espaço existe e o tempo não existe, isso
significa, também, que eu estou por toda a parte ao mesmo tempo, uma vez que,
quer eu esteja em tal lugar meia hora ou uma hora, não é possível, se o tempo
não existe.
Isso
quer dizer que eu poderia estar, simultaneamente, em todos os lugares, que eu
estaria por toda a parte.
Portanto,
o espaço, sozinho, não basta, tampouco, para criar a separação.
Eu
resumo, rapidamente, é uma reflexão que não foi longa, mas que foi intensa, que
merece observar com rigor, sem deixar qualquer descanso ao mental, obrigá-lo a
ir ao fim dessa reflexão.
Porque
é um elemento fundamental: se o tempo, sozinho, não permite a separação, e se o
espaço, sozinho, não permite a separação, como explicar que o tempo, acoplado
ao espaço, permite a separação?
É
um processo mental que havia conduzido a um eletrochoque, e que me permitiu ser
claro sobre o fato de que a separação podia apenas ser uma ilusão.
A
combinação do tempo e do espaço cria a ilusão de uma separação, mas não pode
criar a separação, uma vez que nem um nem o outro, tomado isoladamente, é capaz
de criar a separação.
Você disse «Se o espaço
não existe e só o tempo existe, isso significa que eu estou por toda a parte e
que eu sou tudo», e o que me impressiona é que você respondeu à questão do
tempo sozinho, em termos de espaço, porque «ser tudo» e «estar por toda a parte»
são, primeiramente, parâmetros espaciais.
É como se você
demonstrasse, ao mesmo tempo, que havia apenas o espaço.
No
final, nem o tempo nem o espaço existem.
Eu
tentei, aí, rememorar um processo mental que permitiu criar um desligamento do
foco da consciência.
Trata-se,
aí, de ser liberado de todo aprisionamento quando da projeção da consciência e,
efetivamente, em relação ao processo de Ascensão da Terra, de mudança de
consciência da Terra.
Isso
não pode concernir ao Absoluto, uma vez que se trata, simplesmente, de mudar a
bobina do filme.
É
um pouco como se se olhasse um filme, é um pouco como se se estivesse
prisioneiro de um cenário e a Ascensão permitisse mudar as bobinas, portanto,
mudar de filme à vontade, ela não impede que se continue a olhar um filme.
E continua-se em um
tempo e em um espaço...
Tudo
depende do filme!
É
o próprio filme que vai definir isso.
A
consciência colará onde ela deseja, ou terá a possibilidade de descolar-se.
Eu
não posso testemunhar a Ascensão, mesmo se, inegavelmente, haja sinais dela
nesse corpo, nessa pessoa, nesse mundo, mas isso em nada concerne à Liberação.
E
esse processo, de meu ponto de vista, hoje, não tem qualquer interesse, se não
é o de criar eletrochoques na consciência e, portanto, permitir à consciência
ser reconhecida.
Há um meio de atingir
a Liberação?
Parece-me
que o primeiro elemento – mesmo se, eu repito, não haja receita, porque não se
atinge a Liberação: dá-se um passo para ela, e é a Liberação que vem tomar-nos
(mas a questão é como dar esse passo para ela!) – a primeira coisa, portanto,
parece-me, é ter um «objetivo» claro e determinado de encontrar quem nós somos,
encontrar o que eu sou e encontrar o que é a nada leva, mas encontrar a
Verdade, qualquer que seja o preço.
Muitos
buscadores espirituais afixam essa vontade, na condição de que as notícias não
sejam demasiado más,ou seja, que se isso deva levar a desaparecer, então, não
estou certo de ter, verdadeiramente, vontade da Verdade, porque se eu
desapareço, será que estou certo de reaparecer?
E,
sem o desaparecimento, nada de Liberação.
Portanto,
a determinação sem falha, quotidiana, a cada instante, de não querer atingir
qualquer nível, mas de conhecer a Verdade, qualquer que seja.
Não
se pode desejar uma resposta, desejar ouvir qualquer coisa, e ouvir a Verdade.
Se
já se sabe a resposta que se quer obter, então, não se está disposto a ouvir a
Verdade.
E
não é lendo ou escutando o que outros testemunharam da Verdade que se verá a
Verdade.
É,
verdadeiramente, o ponto determinante.
Vive-se
em um período no qual o número de buscadores é, verdadeiramente, importante, e
a maior parte dos buscadores sente-se autênticos em sua busca.
Mas
se há o medo de desaparecer buscando a resposta, então, a um dado momento,
acontecerá um bloqueio.
Se
se trata de encontrar os meios de melhor funcionar em minha vida de todos os
dias, para melhor realizar meus projetos, então, a Verdade não chegará.
Chegará
uma resposta que será: «Aí está como é possível melhorar seu quotidiano.».
E
dir-se-á:«Uau, eu toquei uma verdade!», mas é, simplesmente, que se pediu ao
filme, que se pediu ao programa automático, para trazer-nos elementos para
melhor funcionar nesse plano, portanto, para melhor funcionar na ilusão.
Enquanto
se busca melhor funcionar na ilusão é impossível liberar-se da ilusão: é
preciso aceitar... tudo perder.
E,
verdadeiramente, eu insisto nessa noção de tudo perder.
Era,
em mim, como uma fúria: o que quer que aconteça, deixar a mim perceber que há
apenas o néant, deixar ser absorvido
pelo néant, deixar desaparecer para sempre!
Mas
se eu desapareço para sempre, isso significa que já, hoje, eu nada sou.
Tanto
conhecimento!
Para
que serve fazer-me crer que há algo ou que há algo de maior, se nada há?
Portanto,
uma determinação para ir descobrir essa Verdade.
Eu
gostaria, verdadeiramente, de insistir sem parar nesse ponto, tanto ele é
crucial.
E
gostaria de dizê-lo em todas as línguas e com todas as palavras imagináveis,
porque eu tenho visto muito pessoas ou satisfazer-se no caminho de uma
meia-resposta, ou parar por medo.
E
eu não quero dizer: «Não temam, por trás de vocês, vocês vão dar-se conta de
que são o Tudo», porque, de fato, isso quereria dizer que não se está pronto
para tudo soltar para encontrar a Verdade.
Está-se
pronto para tudo soltar, na condição de encontrar o Tudo.
Aceitar
desaparecer é essencial.
Aceitar,
também, que o caminho não deve ser um caminho de suavidade, um caminho de alegria,
um caminho de amor.
Tudo
isso são reduções de tudo o que é possível viver, e se é questão de passar por
fases de sofrimento importantes, pouco importa.
Se
é o caminho de vida, se é o que é vivido no momento em que é vivido, então,
está aí!
Não
é que seja fluido ou não fluido, que seja a sombra ou a luz: não, está aí, e há
apenas um único lugar no qual se poderá encontrar a verdade sobre o que se é, é
no que está aí.
Eu
posso testemunhar que passei, efetivamente, por momentos de graça nesses
últimos anos, mas eu passei, também, por fases de enorme sofrimento.
Eu
sempre tomei isso com o mesmo acolhimento.
Chega
um momento no qual pode haver, ainda, sofrimento físico no corpo, o sofrimento
está aí, mas vocês, vocês não são mais concernidos pelo sofrimento.
E,
mesmo se se é concernido pelo sofrimento antes de ter atingido a Liberação,
isso não significa que seja preciso evitá-lo.
Eu
não quero dizer, tampouco, que seja preciso deleitar-se no sofrimento.
O
que eu quero dizer com isso é que, quer seja fácil ou difícil – e isso não é
perfeito, tampouco – é, simplesmente, o que é.
Ora,
no que é, não há valoração, e vocês vão encontrar no que é, por toda a parte, a
cada instante, o Tudo.
Então, há ou não um
caminho?
Pode-se,
também, acrescentar que a noção de caminho é completamente fictícia e ilusória.
Ela
faz parte da ilusão, contudo, o caminho abre-se para o essencial, ou seja, o
caminho vai permitir manter o foco de seu objetivo.
Se
o objetivo fundamental é o de atingir a Verdade, OK, vocês não vão dizer: «Eu
quero atingir a Verdade agora», se a resposta da Verdade decidiu ocorrer agora,
ela se fará agora.
Mas
pode passar um lapso de tempo entre essa determinação «eu quero atingir a
Verdade» e o momento da Liberação.
Esse
lapso de tempo entre o momento em que a determinação é colocada e a Liberação,
pode-se chamar de caminho, mas cada caminho, efetivamente, será diferente, e sobre
os caminhos há muitas coisas que foram ditas e seu contrário.
Alguns
dirão: «É preciso ter um mestre», outros, «Eu sou meu próprio mestre»: tudo
isso são apenas crenças.
Pouco
importa a maneira, a partir do momento em que sua determinação está à frente.
Todos
os caminhos, todas as vias espirituais, todas as vias quotidianas – uma vez que
jardinar pode ser um caminho – tudo isso apenas tem interesse se isso traz
mudanças de consciência, «tomadas» de consciência.
Quando
de uma tomada de consciência, há um soltar de consciência de algum modo, para
que a consciência «tome» alguma coisa mais.
Há,
portanto, «tomada» pela consciência de alguma coisa, mas, no momento dessa
tomada, alguma coisa foi solta e, assim, houve um movimento da consciência.
E
o caminho vai levar, a um dado momento – ou não – à possibilidade de reconhecer
esse soltar da consciência para a «tomada» da consciência.
E,
então, dá-se conta de que, efetivamente, não há caminho e que a única coisa
importante era captar a consciência, compreender o que era a consciência, «vê-la»,
para liberar-se da «tomada» de consciência.
E,
frequentemente, muitas vezes, a dificuldade do caminho é que se vai encontrar
dogmas que podem ter o efeito inverso, ou seja, que ao invés de fazer que a
consciência solte algo para tomar alhures, para colocar-se alhures, a
consciência, ao contrário, vai fixar-se em um caminho, em uma via espiritual,
em tal prática e, de repente, vai colar-se nessa prática, o que não permitirá
mais o movimento da consciência.
Assim
que há aparecimento de uma forma de hábito, de uma forma de certeza ou de uma
crença, «Eu creio que Deus existe», naquele momento, isso quer dizer que é
tempo de entregar-se no caminho e entregar a consciência no movimento, criar
eletrochoques.
Há
esse método que foi utilizado por Sri Nisargadatta e outros, que consiste em
deslocar a consciência do «eu» ao «Eu Sou», ou seja, da pessoa ao Ser, e esse
passo permite criar movimentos da consciência.
E
esses movimentos da consciência do «eu» ao «Eu Sou» e do «Eu Sou» ao «Eu» permitem
reconhecer a consciência.
Eu compreendo que,
para você, em sua vivência, há um critério de intensidade que foi determinante:
você chama, justamente, a «determinação», a determinação para descobrir a
Verdade de quem nós somos?
É como se essa
intensidade tivesse necessidade de um suporte, e que esse suporte fosse a
investigação, de algum modo, e que, sem essa intensidade, a investigação não
poderia prolongar-se.
Há buscadores na
investigação há trinta anos que não podem estar na investigação, eles são levados
por essa intensidade, essa sede de descobrir a Verdade.
E, no entanto, há,
aí, um hiato, uma descontinuidade radical: todos aqueles que estão, hoje,
liberados, e que passaram, de outro lado, por uma longa e intensa investigação,
dizem que não é por causa da investigação que eles chegaram à Liberação.
Há o exemplo de Osho,
que foi um asceta obsessivo durante anos, que se conforma a um programa de
práticas extremamente severas, segundo uma regularidade estrita.
Um dia, constatando
que isso a nada conduzia, ele parou tudo, e pôs-se a fazer a graça matinal, a
beber cerveja e a comer não importa o quê.
E, ao fim de uma
semana, ele conheceu a Liberação.
Tony Parsons, também,
que viveu três anos no ashram de Osho,
afirma que sua Liberação nada tem a ver com sua vida de buscador.
Portanto, nenhuma
relação direta, mas poder-se-ia pensar que essa intensidade havia conduzido a
um estado de «preparação»...
Os
exemplos que você dá ilustram, perfeitamente, que, se se está instalado há
demasiado tempo em um hábito, é preciso mudar algo, mesmo se se esteja
habituado a uma vida de asceta, com a crença de que isso vai conduzir-nos à
Liberação – e não é a vida ascética, em si mesma, que coloca problema, nada
coloca problema – mas o que é interessante é a mudança, ao nível da
consciência.
Pode-se
supor que o fato de abandonar, após anos de ascese, provocou um desarranjo que
abriu um espaço no interior e, sem esse desarranjo, esse movimento no interior,
não há espaço.
É
a ilustração perfeita do deslocamento da consciência de que eu falei há pouco.
E, depois, há,
também, aqueles para quem a Liberação chega descendo de um trem, ou na idade de
dezesseis anos, como Ramana Maharshi.
Isso
se junta, também, ao que eu disse anteriormente, é que a primeira coisa que
chega é a constatação de que: «É isso? É tão simples!».
É
muito, muito, muito simples!
Eu
estava sentado no sofá e disse a mim mesmo: «Por que ninguém disse que era tão
simples?!».
Portanto,
essa não é uma longa história, mas é essa consciência que cria um movimento.
Em
minha vivência, isso passou por esse objetivo de atingir a Verdade, mas, para
outros, pode ser o fato de viver uma EQM [experiência de quase morte] e dar-se
conta de que algo mais existe e descobrir o que há por trás.
Pouco
importa o que cria o desarranjo, mas a consciência apenas pode ser reconhecida
quando de um movimento da consciência.
Portanto,
se ela está fixa na mesma crença, no mesmo funcionamento, no mesmo dogma,
qualquer que seja, ela não poderá ser reconhecida.
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LIBERAÇÃO
E CONSCIÊNCIA – PÁGINA 4
Poder-se-ia dizer que
há um «estado de preparação», que algo se torna disponível quando a consciência
é reconhecida...
Sim,
é preciso que haja o espaço para questionar a crença, no momento do movimento
da consciência.
Mas
se se tem uma crença, não a vemos como crença, está-se persuadido...
Portanto,
quando se vem a um ser atingido por algo, aí acontece a oportunidade de uma
mudança de consciência.
Se
se está certado de pessoas que não questionam nossas convicções, que nos
permitem viver em uma suavidade, em um casulo, não há esse golpe de
desestabilização da consciência que faz com que ela fique tão mal que, de
repente, vai colar-se alhures.
Parece-me,
também, que, para muitos, isso passa por uma fase de raiva, raiva que pode ser
interior, mas que nasce da violência do questionamento.
É como se houvesse um
ponto de passagem, um buraco da agulha...
Então, eu não sei se
é um momento ou um lugar, ou nem um nem o outro.
É um ponto que não se
pode localizar no caminho, que está fora do caminho, que não é o fim da
estrada, que é sem referência espaço-temporal.
Parece que há esse
ponto pelo qual é preciso passar, e que é, portanto, frequentemente
experimentado sob a forma de morte simbólica, essa travessia do véu que pode
ser uma experiência violenta.
Você pode localizar
um ponto ou um momento, como sendo aquele da passagem ou do basculamento?
Sim,
há um momento, um instante.
Sim,
há um antes e um depois que, para mim, corresponde ao momento em que houve o
reconhecimento da consciência.
O
lugar em que isso aconteceu e o momento em que isso aconteceu são, portanto,
extremamente precisos, mesmo se o tempo e o espaço não existam e que tudo isso
faça, agora, parte de caixas de memória.
Aliás,
eu mudo de assunto, mas, como se fala de um momento e de um lugar que faz
referência ao aqui e agora, bem, uma das coisas que desaparece é, justamente, o
aqui e agora porque, se o tempo desaparece e se o espaço desaparece, não há nem
aqui nem agora.
O
aqui e agora é o ponto de foco da experiência, que permite o despertar ou a
passagem no Ser, mas se o passado e o futuro não existem, o presente não
existe, tampouco.
Eu
simplifico um pouco, mas poder-se-ia dizer que o aqui e agora é o buraco da
agulha que conduz ao fato de que não há, mesmo, aqui e agora.
No entanto, os
apóstolos do aqui e agora dizem que só existe o aqui e agora, que o passado e o
futuro são ilusórios.
Os testemunhos do
aqui e agora, como Eckart Tolle, fazem a demonstração inversa da sua: o passado
e o futuro são apenas instantes presentes que ocorreram ou que ainda não
ocorreram, há apenas o instante presente, de instante a instante...
É
por isso que eu falei, efetivamente, do fato que o aqui e agora é uma «ferramenta»,
em todo caso, um elemento importante, para realizar o Si.
Mas
o aqui e agora fazem parte, efetivamente, da ilusão, como tudo faz parte dessa
ilusão.
Trata-se,
simplesmente, a um dado momento, de não mais se perder na ilusão para
reconhecer a ilusão.
É
aí que o aqui e agora é útil.
Eu
não disse que o aqui e agora não tinha valor ou que o Ser não tinha valor,
simplesmente, o aqui e agora concerne, também, à ilusão.
Eu
não penso que seres que atingiram a Liberação evoquem o aqui e agora ou, se
evocam, eles o evocam como um caminho para o Si.
Isso
gerou, para mim, uma grande explosão de riso, no momento em que eu tomei
consciência de que o aqui e agora não existia, que, mesmo isso, fazia parte da
ilusão.
De
fato, nada do que é percebido, vivido na pessoa ou no Ser permite liberar-se da
pessoa e do Ser.
Portanto,
tudo o que se vai poder perceber com as ferramentas da pessoa será ilusão, uma
vez que são ferramentas próprias de percepção da ilusão.
A
visão é uma ferramenta de percepção da ilusão, o olfato e a audição também.
Não
é questão de rejeitar tudo isso, é questão de reconhecê-lo como ilusório.
E
isso não é porque há reconhecimento da ilusão que há rejeição.
Sim, é por isso que
há essa descontinuidade entre as ferramentas da percepção e a vivência da
Liberação.
Há, justamente, um
caos preliminar, que corresponderia a um estado de disponibilidade?
Tony Parsons fala de «readiness»,
um estado de «estar pronto», que faz com que alguns basculem e outros não.
E esse estado de «estar
pronto», eu me pergunto se isso não se manifesta por um caos, um momento no
qual não há mais marcadores...
Aí,
você nos leva ao assunto do caos.
Se
há uma noção de «estar pronto», ela implica uma flexibilidade da consciência
(eu volto, sempre, à consciência, porque é o ponto de apoio), ou seja, o fato
de não mais ser desestabilizado por qualquer informação que seja, porque há uma
espécie de plasticidade da consciência que pode aceitar tudo e seu contrário.
Se
se pode viver, por exemplo, aceitando, perfeitamente, a ideia de que se vai
morrer no próprio dia ou no dia seguinte e, no mesmo tempo, é-se capaz de ter
uma discussão sobre um projeto de vida que nos leva a vinte anos, então, isso
significa que essa plasticidade está presente.
É
um exemplo, e é exatamente o que eu pude viver: ser capaz de ter conversas que,
se tivessem sido colocadas lado a lado, pareceriam, juntas, completamente
ilógicas, completamente caóticas, exceto que, no instante, é a discussão que se
apresenta, é o que acontece.
O
fato que isso não cria qualquer tensão pode, efetivamente, ser uma
representação do estado de «estar pronto» de que você fala.
Mas
não estou certo de ter respondido completamente a questão.
Sim, a questão era: «Você
passou por uma etapa de caos, no sentido de total disponibilidade e, ao mesmo
tempo, perda de marcadores?»
Então,
vou acrescentar que há uma passagem por uma forma de néant – voluntariamente, eu não utilizo a palavra caos, mas ela
pode ali assemelhar-se, efetivamente – e de acolhimento desse néant, que é, talvez, o último passo (e
eu não sei, mesmo, se há passos).
Aliás,
será que isso não é a consciência que, sentindo-se encurralada, procura amarrar-nos,
sem parar?
A
consciência vai procurar colar-se por toda a parte, aí incluídas coisas
engraçadas como, por exemplo, colar-se a um grupo, uma vez que ela não pode
mais colar-se à pessoa.
Portanto,
sim, há essa forma de caos, com o fato que, nos últimos instantes, quando a
consciência cola-se, isso dá dor!
Sente-se,
verdadeiramente, mal.
E
é aí que pode ressoar com ainda mais força o fato de que nosso inimigo leva-nos
mais no caminho do que nosso amigo, no sentido em que o que vem dar dor,
naquele momento, permite dizer: «Ora! A consciência está colada!».
Em
todo caso, sim, isso permite expulsar a consciência, ver que ela está colada.
Não
se vê, necessariamente, a que ela está colada, vê-se que ela está colada,
sabe-se que ela está colada, porque, aí, há sofrimento, porque, eu repito,
mesmo se há dor física, se a consciência não está colada, não há sofrimento.
O
caos é um pouco o estado permanente, no sentido em que as coisas acontecem sem
razão.
Não
há mais causas, não há mais consequências às ações.
De
repente, do ponto de vista do olhar da pessoa e, mesmo, do ponto de vista do
Ser, é um caos, no sentido primeiro, ou seja, algo em que se torna impossível
localizar, em que não há, tampouco, contrariedade: é apenas aí.
Isso me faz pensar um
pouco em uma sopa quântica, na qual nada é qualificado, orientado,
localizado...
Sim,
uma coisa aparece, em seguida, desaparece.
Não há hierarquia,
tampouco, não há ordem, cronologia; não há nem tempo nem espaço no caos, não?
Sim,
e, de repente, quando a consciência é colocada sobre a pessoa, está-se
habituado a que tal coisa aconteça por tal ou tal razão, mas, se se observa
atentamente, tudo isso é completamente fictício ou, então, as razões são muito
múltiplas.
Uma
vez liberado, as coisas, simplesmente, acontecem, aparecem, desaparecem, o que
dá uma impressão de caos, uma vez que nenhuma razão há a encontrar para o
aparecimento do que acontece.
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20-8-2013
CAOS, GRAÇA E RETORNO
DO REI.
Você pode desenvolver
sobre a noção de Caos, de que falou há algum tempo?
Uma
vez a Verdade desvendada, o Caos torna-se evidência, há aparecimento espontâneo
e desaparecimento de nosso campo de percepção.
A
cada instante, tudo é redistribuído, a inteireza do que nós percebemos.
Uma
vez que o Caos seja vivido, a lei de causalidade não pode mais intervir, porque
nada tem causa.
Nesse
mundo, nós somos habituados a funcionar no modo de ação/reação.
Mesmo
quando isso é visto, tentamos mudá-lo.
Mas
o próprio fato de mudá-lo é uma reação à observação da ação/reação.
Nós
podemos chamar a isso lei de causalidade, dá no mesmo.
Nós
pensamos que o que acontece tem uma causa e, naturalmente, procuramos as causas
para o que nos acontece ou tentamos antecipar o que poderia acontecer.
Viver
no Caos é viver sobre esse mundo e não nesse mundo.
O
Caos é a dança da Vida manifestada em sua inteira liberdade.
No entanto, se eu
deixo cair um objeto, um copo, por exemplo, ele vai cair e quebrar.
De
momento, a lei de causalidade age, ainda, sobre esse mundo, porque os campos de
força, notadamente do mental humano, continuam em ação.
Mas
isso é apenas a ponta do iceberg, uma ilusão de nosso mundo falsificado.
O que devemos fazer
para agir de maneira correta nesse mundo?
Nada
de especial, a ação correta não existe.
Há
uma diferença entre a ação correta e a ação de Graça.
A
ação correta é uma construção que vai tentar apoiar-se em sentimentos,
observações e análises, para conduzir ao que parece correto.
A
ação de Graça é portada pela própria Vida.
Ela
não se importa que isso pareça correto ou não.
Ela
se desenrola sem que se coloque, em um único momento que seja, a mínima
questão, sem que se possa distinguir o objetivo.
Aliás,
nenhuma questão aparece.
A
ação acontece e é seguida de outra ação.
As
ações não têm necessidade de ter uma coerência entre si.
Na
ação de Graça, o objetivo, a finalidade é deixada, inteiramente, à Luz, isso
não nos concerne, de modo algum.
Aliás,
na ação de Graça não há ninguém que aja, porque ninguém habita esse corpo.
Como nasce a ação de
Graça, como agir, enquanto isso?
A
ação de Graça emerge quando a personalidade deixou o lugar.
O
Absoluto, o Caos, a ação de Graça parecem-me intimamente ligados.
Enquanto
o lugar não é deixado, totalmente, então, a personalidade continua a ter as
rédeas, de uma maneira ou de outra, notadamente pela vontade de bem.
Entretanto,
temos ações a conduzir, então, conduzamos.
Não
é porque uma ação não seja portada pela Graça que ela não mereça ser feita.
Paremos
os julgamentos sobre a legitimidade de tal ou tal ação.
A
Luz sabe, perfeitamente, agenciar o conjunto da Criação.
Comecemos
por sermos amorosos conosco mesmos, depois, com o conjunto de nossos irmãos e
irmãs humanos, olhando, com benevolência, cada uma das ações realizadas.
É,
por vezes, perturbador ver como julgamos Seres que agem pela Graça,
simplesmente porque isso não corresponde ao que nós pensamos ser uma ação
coerente ou digna da Luz.
A
ação de Graça leva-nos a realizar numerosas coisas de que não compreendemos,
necessariamente, o alcance, mas o que daí emerge é o Amor, mesmo se ele se
assemelhe à raiva ou apareça como desprovido de sentido.
É engraçado que você
fale disso, porque eu me perguntava por que, vivendo no Absoluto, você
realizava canalizações.
Por que não,
simplesmente, divulgar suas mensagens?
Meu
corpo vive sobre esse mundo, ele age sobre esse mundo, embora isso não tenha
qualquer sentido, do ponto de vista do Absoluto.
Agir
ou não agir nessa ilusão nada muda para quem vive no Absoluto.
Divulgar
minhas próprias mensagens ou aquelas de outros Seres é exatamente a mesma
coisa.
É,
simplesmente, o filtro que muda.
Parece-me
que a grande riqueza disso é permitir partilhar diferentes «cores» vibratórias,
o que permite, assim, ressonâncias diversas.
No
entanto, isso não me concerne e eu não busco o sentido.
Eu
não procuro, tampouco, divulgar mensagens.
Seres
apresentam-se nesse corpo e deixam-no apenas quando a mensagem é gravada.
Enquanto
eu não o faça, eu coabito com essa presença, o que nem sempre é fácil para a
gestão de tarefas quotidianas (risos).
Isso me faz pensar
que vejo uma ambiguidade nas diferentes mensagens: porque você evoca o retorno
de Cristo, enquanto o Absoluto parece ser o espaço máximo de liberação?
Não
há espaço máximo de liberação, há liberação ou não.
Ser
meio liberado ou quase liberado é ser prisioneiro.
A
história de Cristo é uma encenação da Grande Alquimia.
Poder-se-ia
considerar que o retorno no Absoluto está em relação com a
crucificação/ressurreição: o momento em que a ilusão da existência de uma
pessoa é destruída.
O
que aparece, ao mesmo tempo, é que há já. Jamais, pessoa em qualquer das
manifestações humanas com as quais nós interagimos.
Há
apenas uma outra parte do Grande Todo.
Nós
estamos, portanto, mortos, ao nível da pessoa, e que vive, de toda a
eternidade.
A
morte é vencida.
Mas,
como eu dizia, não há ninguém, em lugar algum, então, para que serve trocar com
o que parecia ser uns e outros que não existem?
Ao
mesmo tempo, nós temos o encargo de mover esse corpo sobre esse mundo.
Ele
não tem qualquer sentido, mas está aí.
Então,
nós agimos sem preocupar-nos com o sentido do que é feito, e vemos a ação da
Graça revelar-se.
Ela
não serve a ninguém mais que não a própria Graça.
Há,
também, o momento em que Cristo disse a Maria Madalena: «Não me toque, porque
eu ainda não subi para meu Pai».
Nesse
momento, somos Absoluto, mas, ao nível desse corpo, temos, por vezes, a
sensação de sermos esfolados vivos, por uma alegria, um amor extremo.
A
sensação de que algo acontece, que necessita do tempo sem, necessariamente,
saber o quê.
Como
uma pele que deve construir-se.
É
uma sensação indescritível.
A
vinda de Cristo corresponde à Alquimia concluída.
Eu
prefiro falar do retorno do Rei, Cristo é amplamente conotado.
O
retorno do Rei é a vinda de alguém no interior desse corpo.
Nós
poderíamos dizer que ele não é reconhecido como sendo alguém que deixa seu
veículo ao Rei que o integra.
O
termo Rei parece-me apropriado, porque se trata, efetivamente, de quem vem
reinar nessa pessoa.
Nós
somos tudo ao mesmo tempo: o Filho, o Pai, o Rei, aquele que está ao serviço do
Rei, isso não é, verdadeiramente, acessível para o mental; não nos esqueçamos
de que, em nossa eternidade, nós somos o Todo, multilocalizado, e que o que há
no exterior há no interior.
Nós
somos, portanto, igualmente, multilocalizados em nosso corpo.
Nossa
consciência pode viver várias facetas.
Eu
faço um pequeno parêntesis para esclarecer que eu gosto, igualmente, do termo
do retorno do Rei, porque a personalidade vai dizer «Eu vivo em Cristo» ou «eu
sou o Cristo», mas ela não terá mais dificuldade para dizer «eu sou o servidor
do Rei», mesmo se sejamos, igualmente, o Rei (risos).
Falar
de «servidor» dá a entender que há, ainda, dualidade, e não fusão/dissolução da
personalidade no Rei que nós somos.
Essa
visão é devida ao fato de ver as coisas de modo separado, é a visão dual da
Unidade.
Nós
somos o UM, mas isso não nos impede de experimentar diferentes visões do UM ao
nível da consciência.
Cristo
falou do Filho e do Pai.
Eu
admito que o termo de servidor é colorido diferentemente, mas Cristo disse,
igualmente: «Eu desci do céu para fazer não a minha vontade, mas a vontade
daqu’Ele que me enviou».
Isso
não O impedia de proclamar: «Eu e meu Pai somos UM».
Tudo
depende do lugar em que se coloca sua consciência.
Você
pode colocá-la no Absoluto, no Pai, no Filho, isso nada muda no que você é.
O retorno do Rei
acompanha-se de vivência vibratória ou de modificação de consciência?
Obviamente,
mas é sempre delicado partilhar as vivências vibratórias e modificação de
consciência nesse nível, porque as vivências poderiam ser diferentes para uns e
outros.
Parece-me
que as premissas, no que concerne à minha experiência, foram uma enésima subida
da Onda de Vida, mas mais potente ainda do que o que havia sido vivido até
então.
Uma
onda de energia potente, que penetra pelos pés, que passa pelo coração e junta-se
ao céu, bem acima de meu corpo.
Isso
precedeu, de pouco, uma fusão das três lareiras, primeiro o sacrum, que vibra como jamais, depois,
junta-se o coração religado ao coração do UM, em seguida, a coroa da cabeça
junta-se, por sua vez, ao coração.
Isso
cria um braseiro ao nível do coração, que se expande, sem parar, durante vários
dias, e termina por englobar todo o corpo.
O
que me interpelou com mais força é a intensificação de percepções de Alegria e
de Amor e a modificação do modo de difusão.
A
percepção do mundo e da humanidade muda.
Descrevê-la
parece-me vão, eu não o farei, portanto.
Esse
reencontro com o Amor permitiu-me reconhecer o Rei.
Essa
presença real é de tanta delícia que eu não gostaria de estragar a surpresa
para aqueles que ainda não a viveram e que a ela se dirigem, a grandes passos.
O
último aspecto que eu poderia partilhar é que uma nova circulação da vibração
intervém, com como único ponto de emissão o coração do Coração.
A
irradiação que se junta à terra, com uma sensação próxima dessa Onda de Vida,
mas invertida, porque desce do coração para a terra.
Reencontra-se
um fluxo idêntico para o alto.
Mas,
eu repito, essa é minha vivência.
Deve
ser tomada com muita reserva, porque cada reencontro com o Rei é,
provavelmente, diferente.
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